Trazemos mais um conto, mais que especial, de César Maciel, editor-assistente da nova edição brasileira e fã de Perry Rhodan desde 1985! César é um grande conhecedor da série, uma verdadeira enciclopédia viva de PR. Seu primeiro conto aqui no IG foi “A Última Profecia”. Acompanhem agora a primeira parte do conto “O Sobrevivente”, mais um conto finalizado em 1997 e que agora será relançado pelo Projeto Traduções!
O Sobrevivente
Ele acordou suavemente, passando do estado de sonolência para o de vigília sem nenhuma perturbação. Logo após seu despertar ele lembrou-se do sonho que estava tendo, relacionado com lembranças de sua infância na Terra. A casa de seus pais em Terrânia, seu cão cocker spaniel branco brincando com ele no jardim, seus colegas de escola… “Por quê estas antigas lembranças afloraram agora?”, pensou. No instante seguinte percebeu onde estava e lembrou-se dos momentos anteriores à explosão que o catapultara para aquele local, no vazio infinito do espaço.
— Selma, qual é a data? — perguntou ele para seu SERUN.
— Quinze de agosto de 1289 NCG, tenente Hendrikson. Quinze horas e trinta e dois minutos, se quiser um pouco mais de exatidão — respondeu-lhe a voz suave e aveludada saída do alto-falante interno de seu capacete.
“Então fiquei desacordado por quase dez horas”, pensou ele, e fez mais uma pergunta para o SERUN:
— Qual é minha situação médica e o estado do SERUN, Selma?
— Todos os seus sinais vitais estão estáveis, e você não sofreu nenhum trauma interno ou externo grave devido à explosão. Contudo, a violência da explosão deixou-o inconsciente por nove horas e quarenta e nove minutos. Assim como você, o SERUN também continua em perfeita ordem, com exceção de danos mínimos no projetor paratron.
Hendrikson sentiu-se aliviado por ter sobrevivido à explosão de sua nave com tão poucos danos no SERUN e em si próprio, e começou a lembrar-se dos últimos momentos a bordo da SHERAZADE. Desde o início de agosto, a nave de cem metros de diâmetro estava observando a frota tolkander estacionada no aglomerado estelar 47 Tucani, para onde ela havia se retirado logo após a catástrofe nos planetas previamente ocupados por eles. A missão da SHERAZADE consistia em passar informações sobre a atividade tolkander em 47 Tucani diretamente para a PAPERMOON, de onde o comissário Cistolo Khan comandava a defesa da frota terrana contra os invasores. Durante duas semanas a frota tolkander manteve-se inativa. Contudo, em quinze de agosto, quase vinte mil das duzentas mil naves saíram de formação e entraram no espaço linear rapidamente. Quando a SHERAZADE estava prestes a iniciar sua perseguição a esta frota de vinte mil naves, ela foi subitamente atacada por uma nave-ouriço na órbita do planeta na qual ela mantivera-se escondida nas últimas semanas. A tripulação da SHERAZADE foi pega de surpresa, e, antes que pudesse revidar, a nave recebeu um impacto direto que sobrecarregou seu campo paratron e provocou a destruição da nave. Provavelmente ele foi atirado para fora da nave e sobreviveu somente porque estava usando seu SERUN e mantinha seus campos defensivos ativados.
— Selma, a que distância estou da última posição da SHERAZADE?
— Você encontra-se a 4.375 quilômetros de distância da última posição da nave.
Mesmo antes de receber a resposta de Selma, Hendrikson já sabia que não havia afastado-se muito do ponto onde a SHERAZADE explodira, pois podia ver perfeitamente o planeta desconhecido abaixo dele em torno do qual a nave havia orbitado nas últimas semanas. Era um mundo desolado semelhante ao planeta Mercúrio, com uma paisagem monótona formada por milhares de crateras dos mais variados tamanhos. No momento ele estava afastando-se lentamente dele a uma velocidade de 121,5 metros por segundo, uma velocidade ligeiramente menor àquela com a qual ele havia sido catapultado da SHERAZADE, e esta velocidade diminuía lentamente devido à atração gravitacional do planeta.
— Selma, verifique a situação da frota tolkander.
— 180.000 unidades continuam estacionadas em seu ponto inicial, a 5,7 anos-luz daqui. Não há sinais de outras naves neste sistema específico.
“Pelo menos não preciso me preocupar com inimigos no momento”, pensou Hendrikson antes de pedir a Selma que verificasse a localização de outros possíveis sobreviventes da SHERAZADE no sistema. Após alguns segundos, para a decepção de Hendrikson, Selma confirmou a inexistência de outros seres vivos num raio de dez bilhões de quilômetros. “Estou sozinho”, pensou ele, desolado.
Hendrikson percebeu em poucos segundos a situação desesperadora na qual se encontrava. Ele estava sozinho num sistema inabitado a 19.000 anos-luz da Terra, e não poderia enviar nenhuma mensagem de socorro para outras bases terranas devido à presença da gigantesca frota tolkander a apenas 5,7 anos-luz de onde estava. Se não recebesse nenhuma ajuda nas próximas semanas, seus suprimentos de água e comida certamente se esgotariam. “Tenho que manter-me calmo”, pensou ele.
— Selma, dê-me as informações sobre este sistema que foram coletadas pela nave nas últimas semanas. Somente os fatos mais importantes, por favor.
— O sistema Sheraz-49 — começou Selma — consiste de três planetas orbitando uma estrela vermelha do tipo M3, com uma temperatura superficial de 3.400 graus Celsius. O primeiro planeta tem um diâmetro de 5.270 quilômetros, temperatura média de 410 graus Celsius e apresenta a superfície entrecortada por milhares de crateras de todos os tamanhos. Já o segundo planeta é um gigante gasoso com um diâmetro de 67.590 quilômetros e uma densa camada de nuvens de hidrogênio e hélio, sem a existência de uma superfície sólida. O terceiro e último planeta possui 8.420 quilômetros de diâmetro, uma temperatura superficial de 35 graus Celsius e uma tênue atmosfera de gás carbônico. Sua superfície compõe-se de rochas e existe um pequeno mar nas proximidades de seu polo sul.
— Excelente, Selma. Se necessário poderemos aguardar neste terceiro planeta pela chegada de ajuda. Há algum tipo de vegetação ou vida animal nele?
— Os dados são inconclusivos, Tenente. É possível que exista vegetação ao redor do mar, mas não foram feitas maiores pesquisas nesse sentido.
— Muito bem Selma, vamos para lá. É melhor ter chão firme sob os pés do que flutuar no meio do nada bem ao lado de um planeta. Tenho a impressão de que cairei nele a qualquer momento.
— Isto é impossível, Tenente. Neste momento você está afastando-se dele à velocidade de 121,5 metros por segundo no sentido oposto ao do sol. Se continuar nesta trajetória, deverá cruzar a órbita do segundo planeta em exatamente 26 anos e 46 dias. Obviamente isto nunca ocorrerá, pois muito antes disso você deverá entrar numa órbita altamente elíptica ao redor do planeta abaixo.
Hendrikson não disse nada, mas pensou no quanto computadores sabiam ser pedantes. Apesar de Selma ser a última palavra em computadores sintrônicos acoplados a SERUNs, ele achava que seus programadores poderiam ter incluído em sua “alma” feminina um pouco mais de leveza e originalidade. “Bem, afinal, ela não passa de um monte de campos hiperenergéticos manipulando dados a velocidades ultraluz. Esperar humanidade disso seria demais!”, pensou ele.
— Muito bem, Selma, comece a monitorar as transmissões de hiper-rádio nas proximidades e avise-me de qualquer novidade fora do comum. A propósito, durante o tempo em que estive desacordado você captou algo incomum?
No mesmo instante Selma disse:
— Captei somente algumas poucas mensagens de naves arcônidas que faziam o mesmo que a SHERAZADE a partir de locais um pouco mais distantes, cerca de 500 anos-luz de nossa posição atual. A frota tolkander manteve-se silenciosa como sempre.
Hendrikson resmungou contrariado. Desde que a frota tolkander havia reunido-se em 47 Tucani, o tráfego de naves mercantes havia diminuído substancialmente naquele setor espacial, o que diminuía igualmente as suas chances de ser resgatado por alguma nave. Sua única possibilidade de socorro seria esperar pelo surgimento de alguma nave terrana que estivesse investigando o paradeiro da SHERAZADE. Enquanto isso, sua única opção seria dirigir-se ao terceiro planeta, onde ele poderia tentar renovar suas reservas de oxigênio, água e comida.
Enquanto dava a Selma a ordem de ligar os projetores antigravitacionais de seu SERUN e iniciar o longo voo em direção ao terceiro planeta, ele procurou relaxar observando as estrelas distantes através do visor de seu capacete.
***
Após três horas de voo em velocidade continuamente crescente, Hendrikson não suportou mais a espera e pediu a Selma que recapitulasse os dados conhecidos sobre os tolkanders. Ele teve que pedir-lhe para ser bastante sucinta, pois devido ao enorme tamanho de seu banco de dados sobre a história galáctica ela poderia falar durante semanas sobre um mesmo assunto, sem se repetir.
Hendrikson ouviu com atenção a explanação de Selma, que começava em dezembro de 1288 e terminava no momento presente. Durante quase duas horas, Selma relembrou-o das catástrofes provocadas pelos tolkanders em inúmeros mundos da Galáxia, bem como de sua enigmática relação com os Filósofos e a misteriosa entidade Goedda. Tudo começou no planeta Lafayette, onde um comando terrano conseguiu pesquisar algumas das milhares de sondas ovais que estavam sendo lançadas em inúmeros mundos da Via Láctea pelas naves-ouriço. Estas naves estavam procurando planetas que pudessem ser transformados em incubadoras para o Vivoc, a matéria viva indispensável para a procriação dos tolkanders, um nome comum a várias raças, como os alazars, neezers, gazkars e eloundars. Nos meses seguintes, um número cada vez maior de naves-ouriço penetraria na Galáxia, transformando trezentos planetas em gigantescas incubadoras. Em cada um dos planetas repetia-se o mesmo quadro: os neezers ocupavam o planeta e criavam sobre ele a Varredura Trançada, uma malha feromônica de agentes químicos que, ao mesmo tempo que tinha como objetivo desorientar os habitantes do planeta, servia como elemento orientador dos gazkars, os guerreiros da Aliança Tolkander. Após a conquista do planeta pelos gazkars, os alazars e eloundars levavam para o mesmo o Vivoc, do qual originava-se sua prole: os Filósofos. Estes seres originaram-se em 52 planetas, nos quais foi exterminada toda a vida previamente existente nele. Após estas mortes em massa, a frota tolkander, composta por 200.000 unidades pesadas, retirou-se para o setor 47 Tucani, um aglomerado estelar esférico com 253 anos-luz de diâmetro.
Porém, o horror tolkander estava apenas começando: estes 52 Filósofos foram para outros 52 planetas e dominaram completamente as suas populações, que passaram a ter como único objetivo de vida unirem-se à entidade Goedda, mesmo que para isso fosse necessária a morte. Pouco tempo depois surgem na órbita destes planetas as “bolhas dos sonhos” ou bolhas-hiperespaço, nas quais os Filósofos entram. Os terranos descobrem que estas bolhas poderão transformar os Filósofos nas chamadas Pequenas Mães, e que, após esta transformação, poderá ser feita a metamorfose final: cada Pequena Mãe se tornará uma Grande Mãe, um ser semelhante a Goedda. Contudo, esta transformação gerará um ser tão poderoso que uma única Grande Mãe será suficiente para destruir toda a Via Láctea.
Na tentativa de impedir a metamorfose dos Filósofos, os galácticos já conseguiram destruir nove bolhas-hiperespaço, mas cada uma das 43 bolhas restantes representa um perigo inimaginável para a Galáxia. Esta luta impiedosa pela sobrevivência da Galáxia já custou a vida de dois importantes galácticos: as irmãs Mila e Nadja Vandemar, que morreram durante a destruição da bolha-hiperespaço que continha o próprio Goedda. Aparentemente, Goedda foi destruído junto a bolha, mas sabe-se que seu poder poderá ressurgir com a criação das Grandes Mães restantes. Além disso, alguns dos mais importantes planetas da Galáxia estão sob o domínio dos Filósofos e das bolhas, como a Terra, Olimpo, Gatas, Plofos e Ferrol, entre outros. A libertação destes importantes mundos significa a eliminação deste grande perigo para toda a Galáxia.
Após o fim da narração de Selma, Hendrikson ficou pensando nestes terríveis acontecimentos. “A história da Galáxia é uma história de luta, morte e destruição”, filosofou ele. “Podemos ficar séculos em paz, mas sempre chega o dia no qual toda a loucura começa novamente.” Pouco depois ele adormeceu, e, ao contrário de seu sonho anterior, desta vez sonhou com gigantescas frotas de naves-ouriço e entidades malignas dentro de bolhas energéticas.
***
Após vinte e duas horas de voo, o SERUN contendo o tenente terrano e seu computador sintrônico aproximou-se do terceiro planeta à velocidade de 6.000 quilômetros por segundo. Automaticamente, Selma desacelerou o SERUN para uma velocidade aceitável e calculou o ângulo de entrada na atmosfera do planeta. Hendrikson já estava acordado há várias horas, e observou com certa admiração o planeta à sua frente. Ele lembrava-lhe Marte, apesar da existência do pequeno mar situado em seu polo inferior.
O SERUN começou a penetrar na atmosfera com o campo hiperenergético ligado, e Hendrikson transformou-se numa estrela cadente para um hipotético observador na superfície. Massas de ar superaquecidas uivavam ao seu redor, enquanto Selma diminuía a velocidade e ajustava o ângulo de entrada com a precisão típica dos computadores sintrônicos. A cada minuto que se passava, ele podia ver mais detalhes da superfície do planeta, e começou a distinguir as grandes cadeias montanhosas, os cânions com milhares de quilômetros de extensão e os gigantescos desertos rochosos daquele mundo sem nome. Após mais alguns minutos, ele já estava aproximando-se da base de uma gigantesca cordilheira, e pôde verificar que a superfície do planeta consistia de uma monótona paisagem de rochas e poeira avermelhada.
Quando finalmente colocou os pés no chão do planeta, ele agradeceu silenciosamente aos cientistas terranos que haviam inventado o SERUN. Esta SEmi-reconstituent Recycling UNit era, no final das contas, somente um traje espacial, mas era seguramente o traje espacial mais avançado que já fora criado. Muitos galácticos consideravam-no como uma mininave subluz, ou ainda uma unidade móvel de combate. “Qualquer denominação que inventarem será inútil diante de seus múltiplos recursos”, pensou Hendrikson. Somente o computador sintrônico e a unidade cybermed já eram maravilhas por si só, sendo o primeiro um sensor ultraluz e um banco de dados com terabytes de informação, e, o segundo, uma unidade médica extremamente independente e eficaz.
Hendrikson deixou os devaneios de lado e procurou concentrar-se na paisagem ao seu redor. À sua frente, a poucos quilômetros de distância, era visível uma cordilheira de montanhas rochosas com dezenas de quilômetros de altura e algumas centenas de quilômetros de comprimento. Atrás dele e ao seu redor a paisagem era estranhamente plana, assemelhando-se a um deserto rochoso vermelho.
— Selma, qual é a composição da atmosfera?
— Noventa e dois por cento de gás carbônico, sete por cento de nitrogênio e um por cento de gases variados.
— Irrespirável, portanto — concluiu Hendrikson. Apesar do ar no interior do SERUN ser constantemente reciclado, ele gostaria de poder respirar um pouco de “ar puro”, apesar de saber muito bem de que esta percepção de “puro” era puramente psicológica.
— Algum sinal de vegetação ou formas de vida, Selma?
Após alguns segundos, Selma respondeu:
— A 4.600 quilômetros daqui localiza-se o único mar deste planeta, e ao seu redor existem formas primitivas de plantas. É possível que existam também insetos ou animais maiores, mas somente com uma maior aproximação poderei dar-lhe a resposta exata.
— Pois então vamos para lá.
Antes que Selma ligasse os projetores antigravitacionais do SERUN, ele completou:
— Mantenha uma velocidade moderada, pois assim poderei ver com tranquilidade a topografia deste mundo.
— Como quiser — respondeu-lhe Selma, enquanto o SERUN elevava-se acima da superfície do planeta e começava a aumentar sua velocidade em direção ao único mar daquele mundo.
***
Durante pouco menos de duas horas Hendrikson pairou acima da superfície do planeta a uma altitude média de dez quilômetros, desenvolvendo a velocidade de quase 2.600 quilômetros por hora. Seu campo hiperenergético evitava que o SERUN se desmanchasse com o atrito do ar, e somente por duas vezes ele teve que aumentar sua altitude para passar por cima de algumas montanhas mais altas. Durante todo o caminho a paisagem mantinha-se rochosa e avermelhada. Era dia naquele lado do planeta, e os débeis raios avermelhados do sol projetavam sombras mórbidas em sua superfície.
Finalmente, Hendrikson avistou o mar, que parecia-se com uma grande massa azul com reflexos cor de ferrugem cercada de vermelho por todos os lados. Em vários pontos ao longo de sua borda, podiam ser vistas manchas avermelhadas mais escuras, e Hendrikson resolveu confirmar suas suspeitas fazendo uma pergunta a Selma.
— Selma, o que são aquelas manchas escuras ao redor do mar?
— São plantas primitivas, Tenente.
Hendrikson sorriu ao lembrar-se que a palavra planta sempre estivera associada com a cor verde, o que provocava-lhe esta sensação de mal-estar ao avistar plantas completamente vermelhas. Contudo, a vida, em sua infinita diversidade, conseguia adaptar-se aos mais diversos ambientes com perfeição.
Após mais alguns minutos de voo, o SERUN diminuiu de velocidade e altitude, até finalmente pousar a menos de cem metros da borda do mar. Hendrikson gostou de andar um pouco, pois desde a destruição da SHERAZADE ele não tinha a oportunidade de usar seus próprios músculos no interior do SERUN. Com passos largos ele chegou à beira do mar, e observou a água azul escura que o preenchia.
— Análise da água, Selma?
— Há muitas partículas de óxido de ferro em suspensão, mas os sistemas regeneradores do SERUN serão capazes de purificá-la.
“Já resolvi o problema da água”, pensou Hendrikson. Apesar de ter reservas de água para uma semana, ele não acreditava que alguma nave terrana pudesse chegar tão rapidamente àquele sistema em busca da SHERAZADE. “Isso também explica seus reflexos avermelhados”, concluiu Hendrikson mentalmente a respeito das partículas ferrosas na água.
— E quanto às plantas, Selma? Qual é sua composição?
Estendendo tentáculos sensores invisíveis, Selma analisou as plantas e disse a Hendrikson:
— As plantas possuem trinta e duas toxinas mortais à espécie humana. Portanto, são inúteis para consumo.
Desapontado, Hendrikson perguntou:
— Você consegue rastrear a presença de alguma espécie animal?
Após alguns segundos, Selma negou a existência de qualquer tipo de vida no planeta, com exceção de microrganismos simples no ar, na superfície das plantas e na água.
“Com o racionamento adequado, minhas rações durarão cerca de duas semanas”, pensou ele. “Tenho duas semanas para ser resgatado por uma nave terrana, senão...”, concluiu ele.
Ele andou durante um bom tempo ao redor da água e procurou afastar os pensamentos sombrios de sua mente. Após um longo tempo, ele deitou-se à sombra de uma grande pedra próxima e procurou relaxar. Tentou jogar xadrez com Selma, mas subitamente percebeu que estava tão tenso diante de sua situação que não conseguia se concentrar no jogo que ocorria no tabuleiro holográfico projetado no ar. Finalmente recostou-se e dormiu.
Ele não poderia imaginar que, enquanto dormia, uma pequena parte da frota tolkander dirigia-se para o terceiro planeta daquele sistema do sol avermelhado numa missão de destruição.
***
Após acordar, Hendrikson resolveu voar sobre o planeta a uma alta altitude e pôde constatar que, com exceção da área com o mar e as plantas, sua paisagem era terrivelmente monótona. Para afastar um pouco a melancolia, ele decidiu entrar em órbita do planeta e percorrer alguns milhares de quilômetros ao seu redor para observar novamente as estrelas e tentar clarear sua mente.
Pouco antes de completar sua primeira órbita, Selma deu-lhe notícias assustadoras.
— Tenente, estou detectando cerca de cem naves tolkanders. Elas acabaram de sair do espaço linear e estão dirigindo-se para este planeta em alta velocidade.
— Em quanto tempo elas chegarão aqui? — perguntou Hendrikson, alarmado.
— As naves chegarão à nossa posição em cerca de oito minutos.
— Oito minutos! Então eles já podem nos detectar!
— Sugiro que todos os sistemas do SERUN sejam colocados em força mínima e que mantenhamos a mesma órbita atual. É possível que eles não consigam nos detectar.
— Concordo plenamente, Selma — disse Hendrikson, agitado — Reduza todos os componentes a um mínimo indispensável, inclusive sistemas de suporte vital.
Selma não respondeu, mas cumpriu a tarefa rapidamente. Agora Hendrikson estava em órbita do planeta com todos os equipamentos não-essenciais desligados. Somente por um milagre os tolkanders conseguiriam detectar algo tão pequeno como ele.
Após mais alguns minutos as naves tornaram-se visíveis para Hendrikson e aproximaram-se rapidamente do planeta. Em seguida, todas as cem naves entraram em órbita e colocaram-se em posição de espera. Dez minutos, vinte minutos, uma hora, duas horas se passaram. “Eles não fazem nada”, pensou Hendrikson. “O que estariam esperando?”
— Naves tolkanders permanecem inativas — disse Selma após Hendrikson solicitar relatório da situação.
Hendrikson já estava começando a imaginar que a espera o deixaria louco de vez quando o inacreditável aconteceu. A poucos milhares de quilômetros, diretamente à frente de sua órbita, surgiu uma esfera luminosa extremamente brilhante sobre o planeta. Hendrikson não precisou de muito tempo para perceber o que aquilo significava.
— Uma bolha-hiperespaço, Selma! Será que há um Filósofo nela?
— Não há dados suficientes para análise. Contudo devo alertá-lo de que com a presente velocidade e rota nos chocaremos com ela dentro de quatorze minutos e quarenta segundos.
Hendrikson começou a pensar rapidamente. Se ele ligasse os propulsores do SERUN, as naves tolkanders certamente o detectariam. Contudo, as emanações energéticas da bolha eram tão grandes que havia a chance de que ele conseguisse retornar à superfície do planeta sem ser detectado.
— Vamos tentar retornar à superfície, Selma! Talvez consigamos chegar lá sem sermos detectados.
A frase seguinte de Selma fez com que o sangue congelasse nas veias de Hendrikson.
— Sistemas de propulsão antigravitacional inoperantes. Sistemas de armas inoperantes. Sistemas de rádio inoperantes. Sistemas de suporte de vida decaindo rapidamente. Influências energéticas desconhecidas provenientes da bolha estão interferindo com os sistemas do SERUN. Recomendável...
Um forte chiado demonstrou a Hendrikson que a própria Selma acabara de tornar-se inoperante. À sua frente ele viu o brilho da bolha aumentar cada vez mais, e pensou se ainda estaria vivo quando se chocasse com aquela parede pulsante de energia vinda de outra dimensão.
FIM
César Augusto F. Maciel
16 de Novembro de 1997
Revisão em Agosto de 2017