- Categoria: Contos Galácticos
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A Última Profecia
Trazemos um conto, mais que especial, uma criação de César Maciel, editor-assistente da nova edição brasileira e fã de Perry Rhodan desde 1985! César é um grande conhecedor da série, uma verdadeira enciclopédia viva de PR. Seu primeiro conto aqui no IG será “A Última Profecia”, seu conto finalizado em 1997 e que agora será relançado pelo Projeto Traduções!
A Última Profecia
— Sequência de dados da experiência astrofísica 17 sendo recebida, senhor.
Thanlar de Arnaval, comandante da nave de pesquisa arcônida EXPRESSO DE CRISTAL, olhou com curiosidade para seu subordinado. Apesar da frase dita pelo jovem ser igual às milhares de outras ditas tanto por ele como pelos outros tripulantes da nave nos últimos dias, ela teve em Thanlar um efeito maior do que seria esperado.
“É incrível como a rotina pode nos acostumar com tudo, mesmo com os fatos mais inacreditáveis do Universo. Ou dos universos”, pensou Thanlar. “E é mais incrível ainda como tomamos consciência disso nos momentos mais inesperados”.
Ninguém na sala de comando da EXPRESSO DE CRISTAL percebeu o rápido devaneio filosófico do comandante. Todos os tripulantes da nave esférica estavam já há vários dias absortos em suas tarefas científicas, e deveriam concentrar-se ao máximo para aproveitar o pouco tempo que tinham.
A EXPRESSO DE CRISTAL, um cruzador de pesquisa esférico com duzentos metros de diâmetro e tripulação de 300 técnicos e cientistas, entrara há três dias em um outro universo. Somente este fato já seria assombroso, mas ele tornava-se mais incrível ainda pelo fato dela não ter entrado num universo em equilíbrio, como o universo ao qual os arcônidas estavam acostumados. A EXPRESSO DE CRISTAL estava há quatro dias dentro de um universo agonizante.
Tarkan era seu nome. Em apenas seis letras, estava condensado o sofrimento de bilhões de galáxias, sóis, planetas e povos. Este universo encontrava-se naquele momento nos estertores finais de seu processo de contração, que deveria atingir seu ponto culminante nos próximos milênios. Para um universo que já tinha cem bilhões de anos de idade, estar a apenas alguns milhares de anos de seu fim podia ser praticamente considerado como o próprio fim.
Thanlar de Arnaval observava pela tela panorâmica da sala de comando o espaço exterior e admirava-se com a imensidão da Criação. A existência do universo normal, com todas as suas maravilhas e leis físicas únicas, já era um fato digno de contemplação, e a descoberta de outros universos revolucionara a ciência galáctica nos últimos séculos.
Desde o ano 447 NCG, quando abriu-se uma passagem entre o universo normal e Tarkan permitindo a passagem da galáxia Hangay para o nosso universo, pôde-se estudar a estrutura do Superuniverso em detalhes.
Thanlar começou a lembrar-se da história de Tarkan e do Superuniverso. Há dezenas de milhares de anos, a superinteligência ESTARTU abandonou sua esfera de poder no universo normal para auxiliar os kansahariyya, seres de Tarkan que iniciavam um projeto gigantesco: transferir toda uma galáxia para o universo normal antes do colapso final de Tarkan.
Tanto eles como os outros 21 povos da coalizão, organizada para a transferência, prepararam-se para esta tarefa durante milhares de anos, construindo gigantescas estações que deveriam retirar energia do Código de Moral com o objetivo de transferir Hangay para o universo normal.
Contudo esta tarefa, hercúlea por si só, tornou-se mais difícil devido à resistência de HEPTAMER, uma superinteligência de Tarkan que, através da doutrina do Hexameron, levou vários povos a acreditarem que o colapso de Tarkan deveria ser acelerado, para que toda a vida existente nele pudesse se sublimar e atingir a glória suprema. Com isso, a coalizão de povos liderada pelos kansahariyya teve que lutar contra os seguidores do Hexameron, que queriam impedir a transferência de Hangay para o universo normal. Em 448 NCG, cinquenta mil anos após o início do plano, os kansahariyya finalmente conseguiram completar a transferência de Hangay para o universo normal, vencendo a resistência de Heptamer e seus seguidores.
Desde aquela época tornara-se claro para os cientistas galácticos que o universo normal, algum dia, também parará de expandir-se e começará seu processo de contração, repetindo o processo sofrido por Tarkan que, com certeza, repete-se ao infinito com os infinitos universos existentes no Superuniverso. Todos estes universos são esféricos e curvados sobre si mesmos, e repetem o inexorável ciclo de expansão/contração durante sua vida de bilhões de anos. Cada vez mais cientistas estavam convencidos de que todo universo começava com uma grande explosão inicial e passava por um processo de expansão, que, uma vez terminado, levava à contração durante bilhões de anos e o retorno ao estado original de grande densidade.
Thanlar voltou à realidade da sala de comando com o aviso do recebimento dos dados de mais uma sequência de experiências científicas. Ele percebeu que devia concentrar-se mais na rotina da nave e não no brilho avermelhado mostrado na tela panorâmica, que, ao mesmo tempo em que indicava o elevado estágio de contração de Tarkan, despertava-lhe as memórias da incrível história de sua descoberta.
Ele checou a pequena tela do computador embutido em sua poltrona de comando e constatou que toda a nave operava normalmente. Naquele momento, a EXPRESSO DE CRISTAL encontrava-se no ponto do espaço onde outrora estivera a galáxia Hangay, que agora fazia parte do Grupo Local de Galáxias ao lado da Via Láctea e de Andrômeda. A galáxia mais próxima localizava-se a quase trezentos mil anos-luz de distância, e era altamente improvável que a nave fosse detectada por alguns dos povos de Heptamer. Com isso, ele pôde ter segurança para relaxar e prestar atenção ao diálogo de dois cientistas que confabulavam em seus consoles um pouco atrás dele.
— A temperatura de fundo já chega a 132 kelvin, o que significa um aumento de 15,4% desde a última medição, há quinze anos — disse Almar de Nerkoian, um jovem astrofísico de testa alta e aparência sonhadora.
Daran de Zoltral, um cientista de meia-idade que possuía longos cabelos brancos e movimentos comedidos, completou:
— Isto leva à reformulação da teoria de Kanertar sobre a velocidade de contração de um universo com a idade de Tarkan. Passe os dados da experiência AS-17 para meu console — e dirigiu-se para seu posto de trabalho, situado a poucos metros de distância.
Thanlar de Arnaval não pôde disfarçar um sentimento de orgulho por sua raça. Há menos de três mil anos, os arcônidas eram seres completamente apáticos e inúteis, acostumados a deixar todas as tarefas físicas e intelectuais a serviço de um gigantesco computador. Os arcônidas daquele tempo não tinham motivação para nada, e passavam os dias vendo imagens abstratas e coloridas em telas de imagem situadas próximas de seus leitos. Contudo, nos últimos séculos, os resultados de um ambicioso plano de revitalização genética da raça começaram a fazer efeito, e, desde trinta anos atrás, podia-se dizer que os arcônidas haviam retornado aos dias de glória do Grande Império. Colônias arcônidas floresciam por todo o aglomerado estelar M-13, e em todos os mundos arcônidas notava-se o anseio da volta àqueles dias de poder e orgulho para Árcon.
Thanlar sentia que o novo século que se iniciava traria a glória de volta para seu povo. Ele olhou para o calendário mostrado no alto da tela de seu computador pessoal. Dez de janeiro de 1200 NCG, 03h12min. “Devemos voltar agora para nosso universo”, pensou ele.
Desde a entrada em Tarkan, em 6 de janeiro, todos sabiam que aquela seria uma missão curta, pois a EXPRESSO DE CRISTAL, por ser uma das naves científicas mais bem equipadas de Árcon, estava sendo requisitada para muitas outras pesquisas na Via-Láctea. Thanlar começou a dar ordens à tripulação para preparar-se para o choque Strangeness1, que deveria ocorrer quando a nave pulasse de um universo para outro. Apesar da tecnologia arcônida ter evoluído muito desde as desagradáveis experiências sofridas nos anos 447/448 NCG, os campos defensivos especiais das naves ainda não haviam sido aperfeiçoados o suficiente para tornar o choque da passagem entre universos menos traumático.
Às cinco horas de 10/01/1200, todos os setores da nave relataram estar preparados para o choque, tendo recolhido todos os instrumentos científicos e estando os tripulantes em prontidão de alerta. Dez minutos mais tarde, após a última checagem dos sistemas da nave e a contagem regressiva, a EXPRESSO DE CRISTAL sumiu de Tarkan, reaparecendo no mesmo instante na Via-Láctea, nas cercanias do aglomerado estelar esférico M-13.
Thanlar de Arnaval e muitos outros tripulantes da EXPRESSO DE CRISTAL perderam a consciência logo após a rematerialização. O choque Strangeness havia sido maior que o esperado, pois os relatórios que começavam a chegar à sala de comando indicavam que quase metade da tripulação havia perdido a consciência. Com o nível de proteção oferecido pelo moderno campo defensivo especial da EXPRESSO DE CRISTAL, seria de se esperar um número bem menor de pessoas inconscientes.
Thanlar foi despertado por um dos medorrobôs que haviam entrado na sala de comando para cuidar das pessoas inconscientes. Após alguns minutos de descanso, ele leu os relatórios que chegavam da nave e decidiu dar ordens a um dos técnicos responsáveis pelo campo defensivo no sentido de revisá-lo o mais rapidamente possível.
Subitamente, Thanlar ouviu um grito de Daran, que estava bem à frente da tela panorâmica observando-a com o rosto pálido como cera.
Thanlar aproximou-se de Daran, que também já havia despertado a atenção de outros tripulantes da sala de comando e que aproximavam-se dele.
— O que aconteceu, Daran? — perguntou-lhe Thanlar.
Daran respondeu-lhe sem tirar os olhos da tela panorâmica:
— “Quando o último cavaleiro das profundezas morrer, todas as estrelas deverão se apagar...”
Daran olhou para a tela de imagem e viu o inacreditável. As estrelas de M-13 estavam pulsando e vibrando, alternando sua luminosidade em rápidos intervalos. A pulsação parecia diminuir de ritmo com o passar dos segundos, e a luz das estrelas parecia extinguir-se gradativamente. Após um tempo que Thanlar não saberia precisar, as estrelas estabilizaram-se novamente, brilhando fracamente.
Thanlar olhou em volta da sala de comando e viu seus subordinados, apáticos e imóveis. Daran já havia se acostumado ao fenômeno e retornado ao seu console, onde permanecia pensativo. Thanlar dirigiu-se para ele.
— Eu me lembro da profecia, Daran — disse ele, tentando manter-se calmo — mas não creio que a Ordem dos Cavaleiros tenha extinguido durante os últimos quatro dias. Seria possível?
— Tudo é possível, comandante. Há pouco estivemos num outro universo, o que seria considerado impossível há séculos atrás e que hoje se tornou rotina para nós.
Thanlar fitou-o pensativamente e voltou a fitar a tela panorâmica. As estrelas estavam com seu brilho estabilizado, mas este era bem menor que o normal. Ao invés do brilho branco-azulado costumeiro proveniente da aglomeração de sóis no centro de M-13, o espaço apresentava-se aos olhos da tripulação da EXPRESSO DE CRISTAL como um grande negrume perfurado por pálidos pontos brancos.
Finalmente Thanlar decidiu agir para conhecer mais sobre o fenômeno, e voltou à sua poltrona de comando. Na tela de seu computador ele verificou o estado da nave, constatando que quase todos os tripulantes inconscientes já haviam se recuperado do choque. Em seguida, começou a dar ordens, todas no sentido de se fazer o mais rapidamente possível um estudo em detalhes do fenômeno com os telescópios e sensores da nave.
— Todas as medições preliminares deverão ser feitas dentro de dez minutos, antes da entrada no espaço linear. Devemos rumar imediatamente para Árcon, pois não sabemos qual é a situação reinante em nosso sistema natal. Feltos, você já conseguiu captar alguma mensagem de rádio de alguma nave próxima?
Feltos de Kastar, o rádio-operador da nave, respondeu-lhe:
— Não consigo captar nada, senhor. O espaço à nossa volta, pelo menos num raio de cem anos-luz, parece estar vazio.
Tal observação aumentou a preocupação de Thanlar. Normalmente, dentro de M-13, havia um grande fluxo de naves mercantes, cruzadores de batalha e naves de pesquisa, que deveriam estar irradiando comunicados na frequência padrão usada no Império. Mas por quê o espaço estava mudo ao redor deles?
— Tente rastrear todas as frequências possíveis, e avise-me de qualquer mudança nas comunicações — disse Thanlar.
— OK, senhor. Ampliando busca para todas as frequências possíveis.
Após alguns minutos de tensão, no qual as equipes científicas da nave não conseguiam explicar o estranho fenômeno ocorrido com as estrelas e nem Árcon nem as naves que deveriam estar no setor davam sinal de vida, Thanlar decidiu rumar para Árcon o mais rapidamente possível.
— Atenção, todos os tripulantes. Entrada no espaço linear em um minuto. Cientistas, terminem suas medições e enviem os resultados para meu console. Navegador, preparar para entrada no espaço linear.
Após um minuto, a EXPRESSO DE CRISTAL entrou no espaço linear e começou a acelerar em velocidade ultraluz. Contudo, após exatos dois minutos de aceleração, às 05h33min de 10 de janeiro, o mundo pareceu desabar para a nave e sua tripulação.
A EXPRESSO DE CRISTAL saiu do espaço linear e voltou para o espaço normal, sem que nenhum comando fosse dado nesse sentido. Em seguida, todos os computadores sintrônicos da nave pararam de funcionar, bem como todos os aparelhos que funcionavam em base pentadimensional. A tripulação só não morreu esmagada contra as paredes devido ao desligamento brusco dos neutralizadores de pressão graças aos sistemas secundários, que, por terem sua base de funcionamento semibiológica e semipositrônica, não foram afetados pela falha nos sistemas 5-D.
— Relatório! — gritou Thanlar para o navegador.
— A nave saiu do espaço linear devido a motivos desconhecidos. Todos os sistemas 5-D da nave perderam sua eficácia. Os instrumentos indicam que eles continuam funcionando, inclusive o conversor linear, mas eles parecem não ter mais nenhum efeito no hiperespaço. No momento, os sistemas secundários estão mantendo os sistemas de suporte de vida e os campos defensivos.
Thanlar estava paralisado pelos acontecimentos. Primeiro, o estranho brilho das estrelas e o silêncio nas comunicações, e, agora, o colapso dos aparelhos de base 5-D. Tudo isso tinha que ter uma ligação entre si – será que a velha profecia estava realmente se concretizando? A angústia começou a tomar conta de seu íntimo, ao perceber que a base de toda a tecnologia não só dos arcônidas como dos outros povos galácticos baseava-se nos computadores sintrônicos – campos de energia pentadimensionais, nos quais a troca de informações era feita de forma completamente imaterial. Era um sistema infinitamente mais rápido e eficiente que o dos computadores positrônicos, mas que agora revelava suas fraquezas.
Thanlar começou a verificar os dados que encontravam-se na tela de seu computador pessoal. Devido ao pouco tempo que tiveram para analisar os fenômenos relativos às estrelas, a equipe de astrofísica da nave não conseguira chegar a nenhuma conclusão sobre os acontecimentos. Thanlar suspeitava de que eles não chegariam a nenhuma conclusão produtiva com a nave naquele estado, inoperante e presa no vazio interestelar, a dezenas de anos-luz da colônia arcônida mais próxima.
Thanlar decidiu que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para salvar a nave, mas sentiu que o desespero já começava a invadir sua mente.
Durante quinze dias, a tripulação da EXPRESSO DE CRISTAL fez todo o possível para explicar os estranhos fenômenos e encontrar uma maneira de tornar os sistemas 5-D novamente eficazes, mas nenhum de seus esforços teve êxito. A tentativa de comunicação por hiper-rádio com outras naves ou planetas próximos revelou-se totalmente inútil, e constatou-se que uma mensagem de rádio normal levaria anos para chegar à colônia arcônida mais próxima.
Naquele momento, a tripulação da nave já havia acostumado-se à sua nova rotina e tentava fingir que nada havia mudado. Na realidade, quase nada mudara dentro da nave – somente os aparelhos 5-D haviam perdido sua eficácia completamente. As escalas de trabalho e descanso da tripulação haviam mantido-se as mesmas, bem como tudo que se referia à vida dos tripulantes.
Contudo, ninguém conseguia esquecer que a nave vagava pelo espaço em velocidade subluz, e que levaria anos para levá-los a qualquer lugar que pudesse ser chamado de lar.
Thanlar de Arnaval dirigia-se à cabine de Daran de Zoltral. Thanlar acabara de participar de uma reunião de rotina com os técnicos responsáveis pelo conversor linear, que continuavam afirmando não haver nenhum problema com ele. Contudo, ele não exercia mais nenhum efeito no contínuo espaço temporal, e Thanlar ordenou-lhes que continuassem a pesquisa para tentar descobrir um meio de torná-lo operacional novamente. A cada minuto que passava, crescia em Thanlar a sensação de que ele nunca mais veria Árcon novamente.
Thanlar chegou à porta de entrada da cabine de Daran e tocou a campainha. Daran abriu a porta segundos depois, e convidou-o para entrar.
— Comandante! É sempre um prazer vê-lo em meus modestos aposentos. Por favor, sinta-se à vontade.
Thanlar anuiu e sentou-se numa poltrona confortável, enquanto Daran buscava dois copos de uma bebida alcoólica suave muito apreciada pelos arcônidas. Normalmente o uso de álcool era proibido a bordo das naves do Império, mas tal regra nunca era muito aplicada em relação às bebidas suaves. Além do mais, desde o fatídico 10 de janeiro, todos os tripulantes não estavam mais tão presos a regulamentos como antes.
— A que devo a honra de sua visita, comandante? — disse Daran, enquanto esperava Thanlar ter a honra de sorver o primeiro gole de seu copo.
— Pensamentos, Daran — disse Thanlar, após observar pensativamente por alguns segundos o líquido avermelhado de seu copo — pensamentos que não me saem da cabeça.
— Pode me dizer, velho amigo. Você sabe que não temos segredos entre nós.
Thanlar sorriu. Daran fora seu professor na Academia Espacial de Árcon, e, desde aquela época, desenvolvera-se uma forte amizade entre o velho professor e seu aluno preferido. Ao longo dos anos, esta amizade fora reforçada pelo fato de ambos servirem nas mesmas naves — primeiro na LARSAF e, depois, na EXPRESSO DE CRISTAL.
— Daran — começou ele — todos temos observado nas últimas décadas os movimentos nacionalistas que têm emergido tanto em Árcon como nas diversas colônias do Império. Todos falam do destino de Árcon na Galáxia, na volta aos tempos de glória e conquista do antigo Grande Império.
Ele fez uma pausa para beber um pouco mais do líquido em seu copo.
— Não sei se você já percebeu — continuou ele —, mas sinto a ambição pelo poder em todas as esferas do poder estatal, desde os funcionários burocráticos até o trono. Todos apoiam as ações dos extremistas, que conquistam e anexam mundos brutalmente para cravar neles a bandeira do Império.
— E onde você quer chegar, Thanlar? — disse Daran, num tom de voz que fez Thanlar pensar que ele já soubesse a resposta à sua pergunta.
— Eu quero dizer que nosso povo tem muito orgulho de seus feitos do passado e de sua recuperação biológica, política e social — tem orgulho em excesso de tudo isso. Daran, não deveríamos ser gratos pelo fato de estarmos explorando o Universo novamente e não vegetando como nos tempos do grande cientista Crest?
Será que este fenômeno que afetou o hiperespaço está ocorrendo apenas em M-13, como muitos de nossos cientistas supõem, apenas como uma forma de nos punir pela nossa soberba? Não deveríamos ser mais humildes em relação às nossas próprias capacidades?
Daran pensou por um momento e disse:
— Caro amigo Thanlar... eu tenho tido pensamentos semelhantes nos últimos dias, e confesso-lhe que eles têm sido realmente fortes. Penso especialmente em um de meus antepassados, Thora de Zoltral, a comandante da nave de pesquisa que fez o primeiro contato com os terranos. Durante boa parte de sua vida ela foi altamente arrogante em relação aos terranos, os quais considerava bárbaros subdesenvolvidos. Entretanto, alguns séculos após sua morte, descobriu-se que, na verdade, nós éramos descendentes dos lemurenses, os ancestrais dos terranos. Todos os arcônidas ficaram profundamente abalados por esta descoberta, e imagino como Thora não se sentiria se descobrisse que o povo que ela desprezou por tanto tempo era na verdade o povo que havia dado origem aos arcônidas! Também não nos esqueçamos do triste destino que afeta os povos do universo Tarkan e que um dia dizimará a todos em nosso universo, quando seu tempo tiver chegado ao fim. Creio que possamos todos tirar algumas lições destas histórias, Thanlar.
Thanlar pensou um pouco e respondeu a Daran:
— Sim, meu amigo. Creio que a arrogância e a soberba tenham sido parte de nossa raça por muito tempo, tanto no passado como agora, e que devamos aceitar o fato de que somos simples arcônidas, apenas uma pequena peça no intrincado jogo da Criação.
— Também é o que sinto, Thanlar, e gostaria que soubesse que, voltando ou não a Árcon, eu nunca me esquecerei desta nossa conversa — disse Daran, bebendo os últimos resquícios de sua bebida.
— Nem eu, meu amigo — respondeu-lhe Thanlar, fitando a pequena tela que mostrava a pálida luz das estrelas do outrora majestoso aglomerado M-13, ao mesmo tempo em que tinha a certeza absoluta de que nunca mais voltaria para casa.
FIM
César Augusto F. Maciel
Novembro de 2007
Revisão em Março e Abril de 2017
1 Nota: choque de estranheza.